A lenda urbana da especulação imobiliária - por Luiz Augusto Pereira de Almeida




Luiz Augusto Pereira de Almeida é diretor da Fiabci/Brasil e diretor de marketing da Sobloco Construtora S.A.

Com grande frequência, leio, escuto e observo severas críticas ao mercado imobiliário. Ora dizem que está pouco se importando com as cidades; ora o classificam como um segmento de especuladores, insensíveis aos problemas da população. Não sei bem onde e quando surgiu tamanha animosidade contra o setor, mas se trata de uma imagem muito distante da realidade dos fatos e da atividade, cuja atuação precisa ser melhor analisada.


É necessário esclarecer que o estigma da especulação imobiliária brota de uma interpretação equivocada da antiga e irrevogável lei da oferta e da procura no movimento de compra e venda de imóveis. O cálculo é simples: quanto mais unidades habitacionais puderem ser construídas num terreno e quantos mais empreendimentos puderem ser edificados em uma região, mais competitivos serão os seus preços unitários. O contrário também é verdadeiro.

Quem define o que, quanto e onde pode ser construído numa cidade é o poder público, através de planos diretores, nos quais zoneamentos e normas de uso e ocupação são definidos. Neste quesito, nosso histórico foi sempre marcado por políticas de ocupação restritivas, de baixo aproveitamento do solo. Em São Paulo, já chegamos a ter coeficientes de aproveitamento de 17 vezes o tamanho do terreno (Edifício Martinelli). Hoje, nosso coeficiente chega, no máximo, a quatro vezes.

As empresas imobiliárias dimensionam cada projeto a partir dessas regras, somando os valores da compra do terreno e da realização da obra. O total é dividido pelo número de lares ou escritórios cuja construção a lei permite em cada terreno. Chega-se, assim, a um custo unitário, ao qual se soma o lucro, determinando-se o preço final. O raciocínio também é válido para cada bairro e para cada cidade como um todo: nas localidades em que se pode construir pouco, os preços sobem; onde ainda é possível realizar empreendimentos em maior número, os preços são mais competitivos. Se leis impedem ou restringem a ocupação, os imóveis serão cada vez mais caros e exclusivos. Fala-se em bolha imobiliária, mas o que na verdade existe é uma escassez cada vez maior de terrenos para moradia, trabalho e entretenimento, causando uma valorização crescente.

Em todo esse processo mercadológico não se configura a especulação, cujo verbete no Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa tem a seguinte definição: “Negócio em que uma das partes abusa da boa fé de outra”. Obviamente, tal pecha não se aplica a quem empreende sob os ditames legais e tampouco a um mercado que atende à demanda da habitação, mantém milhões de empregos, recolhe impostos vultosos e cuja cadeia produtiva, a da construção civil, representa quase 12% do PIB brasileiro.

Há outro fator que também tem impacto nos preços, na satisfação dos ocupantes do imóvel e, claro, na imagem do mercado imobiliário: a qualidade da infraestrutrura urbana e dos serviços. Locais bem servidos nesses itens têm procura maior e, portanto, valores mais altos, além de um grau maior de satisfação das pessoas. Porém, quando falta isso, parece já ter transitado em julgado na opinião pública que a culpa, mais uma vez, é do mercado imobiliário. Ora, o setor não é o responsável por construir avenidas, pontes, viadutos, parques públicos, metrô, corredores de ônibus, trens, estrutura de atendimento médico-hospitalar, escolas e unidades policiais.

Como se vê, o que na realidade incomoda o cidadão e o faz pensar que a culpa é do setor imobiliário é o fato de as cidades crescerem sem planejamento, de ser cada vez menor o número de áreas disponíveis e mais restritivas as regras de uso e ocupação e de ficarem muito aquém da demanda os investimentos públicos em infraestrutura, cuja evolução não acompanha a expansão das cidades. Tal descompasso é mais acentuado nas grandes áreas metropolitanas.

A título de exemplo, tomemos a cidade de São Paulo, que cresce, todos os anos, cerca de 65 mil habitantes. Este contingente demanda moradia, escolas, transportes, água, esgoto, segurança, atendimento médico-hospitalar, comércio, serviços e entretenimento. Esta conta de investimentos públicos e privados não pode ser ignorada e precisa ser quitada todos os anos, sob pena de ocorrer um desequilíbrio crescente e piora na qualidade da vida.

Mesmo com o mercado imobiliário aquecido nos últimos cinco anos, não temos dado conta do déficit habitacional brasileiro, que ainda beira as seis milhões de unidades. Entretanto, muito pior é o nosso desempenho em investimentos e obras de infraestrutura em geral. Caracas, na Venezuela, com 3,1 milhões de pessoas, possui igual extensão de metrô (74 km) que o município de São Paulo, que tem população 3,7 vezes maior, de 11,44 milhões de habitantes (Seade – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados).

Se maior adensamento, prédios altos e mais comércio e serviços fossem ruins, Nova York dificilmente seria o destino turístico mais procurado no mundo. Inclusive pela maioria de nós, brasileiros. Por que lá então é tão bom e aqui a crítica é geral? E é bom anotarmos que Nova York é 40% mais adensada do que São Paulo. Simples, porque a Big Apple é dotada de farta infraestrutura urbana, que propicia um crescimento sem traumas.

Que bom seria se morássemos perto de casa, se não tivéssemos de tirar o carro da garagem; se pudéssemos ir a pé ao shopping, ao supermercado, à escola ou fazer jogging no parque público do bairro. E tudo isso sem medo de ser assaltado. Aposto que, ao vender seu imóvel, você o precificaria em, no mínimo, 15% a mais.

* Luiz Augusto Pereira de Almeida é diretor da Fiabci/Brasil e diretor de Marketing da Sobloco Construtora.

Comentários

  1. Caro Sr. Luiz Augusto, Chega-me às mãos, hoje, seu artigo "A lenda urbana da especulação imobiliária", publicado em jornal da nossa região, "Diário do Aço" de Ipatinga, no dia 20 de dezembro de 2013. Conhecedor e vivenciador de uma situação bem diferente da qual o Senhor relata, fico a imaginar como foi parar num jornal de nossa cidade, sempre pronto a abrigar a posição de construtores, um artigo de alguém importante e de tão longe, que vive num cenário bem diverso do nosso. Gostaria de ter um tempo e espaço, que não teria nunca neste jornal, para apresentar ao Senhor a situação de Ipatinga, Minas Gerais, onde a construção civil se espalha pelos arredores, município de fato pequeno, construindo muito acima do necessário, com dinheiro que vem dos Estados Unidos, e onde se vê a existência de milhares de moradias vazias, embora o deficit habitacional existe, como o Senhor menciona, porém para o pessoal de baixa renda. Os construtores de cá, talvez diferente dos de aí, estão a todo vapor, mas não tiram os olhos de áreas nobres, que queremos preservar, pela qualidade de vida que conquistamos, pela história de sua construção, pelos princípios arquitetônicos que a nortearam. Estes construtores pouco se importam se existe infraestrutura para suportar a substituição de uma casa com 3 ou 4 moradores, um ou dois carros, por um prédio de 20 andares, totalizando algo como 80 apartamentos, que significariam centenas de pessoas a mais (por casa), dezenas a mais de carros, centenas de descargas de esgoto a mais. Numa cidade sem lei, o que os construtores fazem é usar todas a permissividade e levantam o que mais rápido lhes tragam lucro. Respeitamos o direito ao lucro, lógico, mas que não se dê às custas da infelicidade de uma grande maioria que, claramente, vem dizendo não aos prédio em nossos bairros. Não sei se seu artigo foi comprado, autorizado a ser publicado, se a matéria foi paga, mas, tendo um tempo, posso mostrar ao Senhor uma outra realidade, em nossa região e, estou certo, imaginando sua seriedade, teria outra opinião sobre a necessidade indiscriminada da verticalização. Meu email está a sua disposição, meu telefone 31-99882484 está aberto. Atenciosamente, Paulo Sérgio

  2. Mercado ta perdendo força.. justamente por querer 'resistir' a todo custo da redução dos preços dos imóveis! Infelizmente, isso tem sido sentido mto pelos profissionais do meio imobiliário. Hoje, estamos nos virando nos "30", procurando outras zonas de vendas/alugueis, outros tipos de empreendimentos, tentando criar novas tendências.. mas, por vezes, esbarramos na distância e na falta de infraestrutura de certos locais. Att., Thiago


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